Na longa novela em que se transformou o Brexit, uma etapa crucial será vencida nesta semana: o acordo negociado por Boris Johnson no Reino Unido será ratificado no Parlamento europeu e, dois dias depois, em 31 de janeiro, Londres sai oficialmente da União Europeia. Inicia-se então um perÃodo de transição até 31 de dezembro, durante o qual os britânicos tentarão negociar um acordo comercial com o bloco europeu, que deve ser o principal parceiro econômico do antigo sócio. Qual será o espaço de oportunidades para o Brasil neste novo cenário? De um dia para o outro, o Reino Unido estará de fora de todos os tratados que o beneficiavam junto aos europeus. O professor Kai Lehmann, de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), observa que a pressa em ampliar o leque de parceiros coloca os britânicos numa posição de fraqueza na mesa de negociações. “Eu acho que o Reino Unido vai desesperadamente procurar parceiros comerciais a partir de agora e, ainda mais, a partir de 2021. Por conta disso, vai ceder à s demandas das grandes potências comerciaisâ€, afirma o pesquisador alemão, que viveu 15 anos na Inglaterra. “O maior mercado do Reino Unido, e o mais próximo, é a União Europeiaâ€, resume. Concorrente de peso: Estados Unidos Do outro lado do Atlântico, o presidente americano, Donald Trump, um dos maiores incentivadores do Brexit, já reiterou que não vê a hora de fechar um acordo bilateral com Londres, a quinta maior economia do mundo. Paralelamente aos europeus, essa deve ser a prioridade número 1 do premiê Boris Johnson, em busca mais apoio polÃtico para o Brexit. “Seria muito importante porque poderiam dizer que têm uma coisa que a União Europeia até hoje não tem. Já o Brasil, nem o Mercosul, não estão nessas conversas. Fala-se em China, Ãndia, Nova Zelândia, Austráliaâ€, constata Lehmann. Ou seja, os paÃses do Commonwealth também passariam antes da América Latina, aos olhos dos ingleses. Os investimentos diretos dos britânicos no Brasil minguaram desde os anos 1950, e hoje se concentram no setor energético. Além disso, o comércio entre Londres e BrasÃlia é pouco relevante: o Reino Unido flutua entre a 15ª e a 17ª posição no ranking das exportações brasileiras, com menos de US$ 2,7 bilhões exportados de janeiro a novembro de 2019, segundo dados oficiais. Mercosul trava perspectivas de acordo A eventual ampliação dessa parceria é limitada, uma vez que o Brasil tem fraca margem de manobra fora do Mercosul, relembra a economista Christina Terra, professora da Essec Business School, de Paris. “Em termos de acordo, o Brasil nunca pode negociar sozinho porque a união aduaneira determina toda tarifa externa dos paÃses do Mercosul com o resto do mundoâ€, ressalta. “E sabemos que as relações entre Brasil e Argentina não estão das melhores atualmente, já que a Argentina está com um governo não muito liberal.†Mesmo que houvesse abertura dos dois lados, nada garante que o processo seria rápido. Os diálogos entre o Mercosul e a União Europeia levaram 20 anos – e ainda estão distantes de uma conclusão definitiva. “Historicamente, o Reino Unido é mais liberal do que a União Europeia, portanto existe a perspectiva de, ao fazer um acordo diretamente com o Reino Unido, ele seja mais benéfico para a gente do que os que se consegue com a União Europeia. Entretanto, Londres é mais liberal mas tomou essa decisão de sair da União Europeiaâ€, destaca Christina, autora de Finanças Internacionais: Macroeconomia Aberta. “Ou seja, é muito difÃcil de saber o que poderia sair dessas negociações.†A professora ressalta ainda que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia prevê cotas de importação, que foram negociadas com a presença de Londres no bloco. Agora, esses números podem ser revistos para baixo, com a saÃda dos britânicos. Economia à prova do Brexit O timing de uma discussão com o Mercosul também não será bom tão cedo, afirma o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves. A consolidação do Brexit não significa o fim dos problemas para Londres – muito pelo contrário. A estabilidade da libra e a solvabilidade da dÃvida serão o foco da polÃtica econômica pós-saÃda do bloco europeu. A expectativa é que, pouco a pouco, o Banco da Inglaterra reverta as medidas emergenciais tomadas logo após o referendo, em especial o aumento dos juros. “O peso da libra no mercado financeiro europeu é muito grande, e oscilações importantes no valor da libra podem ter efeitos muito complicadosâ€, sublinha Lima Gonçalves. “Essa defesa da City foi importante, mas eles não poderão manter esses juros em uma situação em que a atividade econômica já foi prejudicada e vai se prejudicar ainda mais – afinal, no curto prazo, pelo menos, o Brexit é muito ruim para a economia inglesa.†O horizonte no Reino Unido inspira pouco otimismo a Kai Lehman, já que o Brexit deixou o paÃs dividido e abriu feridas que talvez não cicatrizem. Agora, a consolidação do processo traz um alÃvio momentâneo, mas as preocupações sobre o futuro logo baterão à porta. “O Brexit é uma expressão de uma divisão social, polÃtica e até geográfica muito mais profunda, com as questões da Escócia e da Irlanda do Norte. Isso não acabou e nem vai acabarâ€, avalia o pesquisador da USP. “Não vai ter um colapso imediato do Reino Unido. Será um processo bastante lento, mas ainda assim bem claro, de declÃnio – como o que houve após a Segunda Guerra Mundial.â€
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